O que pode ser mais solitário do que um Robinson Crusoé sem radinho de pilha? Essa imagem de Nelson Rodrigues me voltou esta semana… enquanto ouvia uma palestra de Tamara Klink.
Tamara, navegadora e escritora, 27 anos de coragem ou ingenuidade… que pegou um barquinho de oito metros e cruzou um oceano da Europa até o Brasil. E não satisfeita resolveu depois pegar um veleiro e passar um inverno congelada na Groenlândia entre peixes e raposas polares.
Tamara diz que se sentiu tão feliz no isolamento dessa segunda viagem que pensou em ficar mais. Em não voltar. Estava sozinha - absolutamente sozinha. E subitamente curada de nossa infinita conexão.
Somos seres sociais - precisamos dos outros. Precisamos tanto nos conectar que inventamos maneiras de fazer isso à distância. Quando o grito não foi suficiente inventamos o correio. Quando o correio ficou devagar criamos o telégrafo. Depois vieram o rádio, o telefone, o telex, o telefone, a imprensa escrita, falada, televisada. E enfim o mais revolucionário dos objetos recentes: o smartfone.
Esse retângulo múltiplo - áudio, texto, vídeo, diversão e conexão em qualquer tempo ou espaço. Há 18 anos (o iPhone é de 2007) estamos a um toque de nos conectar nessa malha estranha invisível que mudou o mundo e as relações humanas.
Deixar a conexão perene – ou sua mera possibilidade – é difícil. Responda o leitor - quando seu celular desaparece... o que você sente? A rede nos evoca, nos convoca, nos intima. Um toque e estamos nos informando ou trabalhando ou consumindo ou jogando ou falando com amigos. A vida acontece na tela.
Na palestra, Tamara falava enquanto passava slides com fotos de suas jornadas. Uma delas, talvez a mais bela, mostrava uma imensidão branca. Só o que não era branco na foto era o Sardinha II - seu barco propositalmente encalhado no gelo - e a própria Tamara – um pontinho preto de agasalho na paisagem. Um corpo humano correndo sobre a neve atemporal. Tamara parecia mínima. Totalmente desconectada. E profundamente conectada com o que realmente importava. Ou importa.
A foto me lembrou de outro tempo e de outra paisagem – do lugar na Lua onde o primeiro ser humano pousou em 1969: o mar da tranquilidade. Eram duas imagens que transmitiam alguma paz. Duas imagens de tremenda aventura e encantada solidão.
Esse é nosso mistério. Quando nosso time ganha... pulamos junto com a multidão. Deixamos de ser eu para virar nós – somos de repente muitos e juntos e temos um propósito – nos sentimos parte de algo. Na nossa conexão fugidia do cotidiano, muitas vezes somos navegador sem porto nem jornada.
Navegar é preciso – escreveu Fernando Pessoa citando Plutarco. Viver não é preciso. No latim original... talvez não fossem versos tão belos. Precisamos navegar – sim – para buscar para onde vamos. Navegamos de forma organizada, planejada. Mas a vida tem seus dribles – e os apresenta mesmo ao navegador experiente. O leme quebra, Tamara cai no mar gelado e precisa correr para se salvar, as ondas crescem, a raposa rouba o bacalhau pescado.
Viver é impreciso. Se encontrar rumo (e sentido) sempre foi desafiador – agora talvez esteja um pouco mais. Tamara encontrou o seu navegando. E ficando parada. Pelo menos até sua próxima distância.